domingo, 16 de setembro de 2012

Partilhar a dor

Há pouco mais de 24 horas conheci o sentido da morte. Ela nunca se apresentara antes para mim. Deu sinais, mostrou-se aos poucos, não teve pressa nem surpreendeu.

Pano preto na sacada, vestes da mesma cor, era o luto manifestado. Morreu a matriarca! O corpo da pianista foi velado em frente ao instrumento ao qual dedicou anos de estudo. Os pássaros começaram a cantar, curtas passadas pelo telhado.

O dia amanheceu e às seis da manhã não se ouvia o badalar de sinos, mas uma conhecida valsa na família, sempre tocada por vovó, com seus dedos delicados e mãos pequenas, nos encontros dela com o piano. A homenagem não poderia vir de outro senão do neto querido. Bravo! Era ela em nós.

O pranto, a dor. Agora entendi a morte. Morte é parte do ciclo de vida, aos 92 anos. Mas é principalmente saudade de vozinha ao me chamar de “meu tesouro”, acarinhar-me o rosto, sorrisos, amor... Sempre amor.

Cortejo e caminhar lentos, silêncio. O corpo se foi. Acorde, o corpo se foi!

Só ele se vai, relações não se vão, lembranças tampouco, carinhos, afagos, cheiros, tudo fica. A morte não existe.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Coordenação de vestibulinho de Etec dá informação errada e faz adolescente perder prova

Domingo, 20/11, data da prova de vestibulinho 2012 das Etecs (Escolas Técnicas Estaduais) de São Paulo, foi dia de transtorno para a família de Rose Biazeto, mãe da inscrita de 14 anos, que queria fazer o curso de Administração - Integrado ao Ensino Médio.

Moradora da região, Rose foi até a Etec Mandaqui, localizada no bairro de mesmo nome, uma hora antes da abertura dos portões, confirmar o local em que a filha deveria prestar a prova. “Uma funcionária levou o comprovante de inscrição para a coordenação do vestibulinho, que nos encaminhou para a Etec Albert Einstein, na Casa Verde. Pegamos um taxi, correndo, e fomos até lá. Eu achava que a informação era confiável, ainda mais vinda de uma escola de qualidade.”

Assustada, a mãe não encontrou o nome da filha na lista dos alunos que realizariam a prova no local. “A coordenação daquela Etec informou que o local correto era a EE Prof. Carlos de Laet, no Mandaqui, numa extensão da Etec Albert Einstein”, contou.

“Nessa confusão, enfrentamos trânsito na ida e na volta, minha filha não chegou em tempo de prestar a prova, e perdeu a oportunidade de cursar um ensino médio público de qualidade em 2012”, lamentou a mãe.

Procurada pela família da jovem, a coordenação do vestibulinho da Etec Mandaqui isentou-se da responsabilidade de ter passado a informação errada. “Eu me responsabilizo pelos meus inscritos, que não é o caso da sua filha. Vocês é que deveriam ter visto isso antes. Ela perdeu a prova e não se pode fazer mais nada”, rebateu a coordenadora que não quis identificar-se.

Após o incidente na escola, Rose Biazeto saiu indignada pelo mau atendimento, falta de responsabilidade com as informações dadas e convicta de que deverá buscar providências quanto à ausência de comunicação eficaz nos órgãos públicos de educação, onde a filha foi, certamente, uma de tantas prejudicadas.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Nas forças da n’goma

Durante uma limpeza em papéis, escritos do mestrado e tantos rascunhos de matérias publicadas e de palestras assistidas, enfim, algo que parecia não representar importância, deparei-me com interessantes anotações do evento “A cultura religiosa de matrizes africanas”, ocorrido em 2008, na PUC-SP.

Na ocasião, a cientista social e professora da Universidade de São Paulo (USP), Maria Lúcia Pontes, falou do quanto é importante valorizar a cultura afro-brasileira através das religiões de matriz afro. “É legítimo reivindicar como patrimônio da cultura brasileira o legado de 400 anos da escravidão brasileira”, disse.

A professora expôs que africanos de diferentes etnias e regiões foram trazidos juntos pelos senhores, com intuito de quebra de vínculos. Ser “malungo” - que significa parentesco, aquele que é irmão, que veio junto na travessia do Rio Kalunga (que liga a vida e a morte) – prevaleceu.


Foto de Carlos Roberto Chaves Faria, Salvador, BA, publicada na National Geographic

Ao longo dos séculos, foram criados pela população escravizada meios de pensar num universo comum. Surge, então, a religião, que pensa a relação com a natureza, ancestrais, sobrenatural, uma relação orgânica. “O candomblé é este universo comum, surgido da mistura das nações, legitimado diante da cultura nacional através de Jorge Amado”, disse a professora.

Outro aspecto importante, segundo ela, foi a presença da n’goma - tambor sagrado que chama a força dos ancestrais – como instrumento de resistência para os negros durante a escravidão.

Uma crítica do baiano Pai Francisco de Oxum, também palestrante do evento, foi que o movimento negro contemporâneo esquece os ancestrais, os orixás. “Precisamos de espaços como estes [o evento] para mostrar que, nos nossos cultos, não temos do que nos envergonhar e que sem a religiosidade nenhuma cultura e nenhum povo permanece vivo.”

Obstáculo comum encontrado nos freqüentadores de religiões de matriz africana, Pai Francisco de Oxum conta o que vivia em 2008: “Eu tenho um filho que não quer saber de escola, porque ouve que é filho daquele macumbeiro, adorador do diabo”. Acrescentou ainda que não aceita ser apedrejado pela vestimenta diferente daquelas comuns aos olhos da população.

De bem com a vida, o palestrante Pai Rodnei de Oxossi elucidou que o candomblé reafirma sua identidade negra.

E para mim não é diferente. Ontem vesti vermelho e branco e levei oferenda a Ogum, na Umbanda, religião brasileira, com raízes africanas. E, pra quem se opõe, o mínimo esperado é o respeito. Ponto final.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Encanto de criança

Num dia livre para lanchinhos gordos, aqueles que a família pode desfrutar bem de vez em quando, Luiz Antônio, como sempre faz, puxou assunto com pessoas da mesa ao lado.

Mãe e filha deram corda e o menino não parava de mostrar-lhes o brinquedinho que acompanhava o lanche. Perguntaram o nome, quantos anos tinha, como já é de costume fazerem todos que cruzam o caminho do rapazinho.

João Pedro, mais velho e centrado, perguntou-me a idade da menina.

- "Não sei, filho. Pergunta para ela", respondi.

As duas se levantaram e deram tchau.

- "Tchau, Lívia. Quantos anos você tem?", perguntou João Pedro, como se não pudesse perder a oportunidade de tirar a dúvida.

- "Seis", disse a menina.

- "Eu também", respondeu entusiasmado.

Continuamos a comer e após pouco tempo:

- "Ah, mãe! Eu gostei da Lívia."

- “É filho? Por quê?”

- “Ela é legal. Ela responde perguntas.”

- “Você a achou bonita, filho?”, questionei sem rodeios, pois reparei que algo chamou-lhe a atenção.

- “Achei.”

E eu também. Elogiei os lindos cabelos cacheados de Lívia, bem volumosos.

Consciente da problemática do cabelo crespo, também chamado pejorativamente de “cabelo ruim”, que circunda nossa sociedade, sempre enalteço suas características, quando encontro meninas negras.

Pra mim, a maior felicidade foi notar que João Pedro cresce e reconhece, de forma pura e ingênua, esta nossa beleza.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Discriminação racial gera protesto contra Banco do Brasil

Por Ana Luiza Biazeto

Numa manifestação pacífica, porém de repúdio, integrantes de diferentes segmentos de movimentos sociais reuniram-se hoje, por volta das 14h, na agência do Banco do Brasil, à Rua Rego Freitas, 530, contra a discriminação racial.

O protesto aconteceu depois que Luciano Dimis da Silva, conhecido como James Bantu, foi barrado na porta giratória da agência ontem, 9/2, e mesmo após ter seus pertences revistados, não conseguiu descontar seu cheque, referente a um serviço prestado à ONG Ação Educativa.

Após o constrangimento, a segurança do banco chamou um policial militar que passava fora da agência. Submetido à revista corporal, Bantu ouviu ordens truculentas como “Você precisa me respeitar!”, “Coloca a mão para trás!”, “Cala a boca!”, “Se eu quiser, se eu mandar, eu posso até te deixar pelado aqui!”, “Só fala depois de mim; cala a boca!”, “Se você não calar a boca, eu vou te algemar aqui!”, conta ele.

Hoje, durante o protesto, com bandeira em punho, os manifestantes vibraram e aplaudiram quando Bantu conseguiu retirar seu salário. “Foi isso que vim buscar, sou trabalhador e é bom que saibam da atitude racista desta agência”, disse Bantu, em voz alta, aos funcionários e clientes do estabelecimento, com pouco mais de R$500,00 em mãos.

A denúncia do crime foi feita na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância e Bantu aguarda as decisões da justiça.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

A Bahia que também é minha

Ouvir histórias, o sotaque, o cheiro, a cor de Salvador me envolve, me fascina a ponto de tirar-me a vontade de voltar a São Paulo. Pra ser sincera, confesso que todo o litoral me dá a sensação de que vivo em lugar errado. Mas aqui [Salvador]* é diferente, é como se eu pertencesse a essa terra, tão minha como de todo brasileiro.

Andar pelo Pelourinho, naquelas ladeiras de cansar as canelas, ver arte baiana espalhada pela rua, falar com o povo... Ah, que delícia!

A festa no terreiro do Gantois, no qual foi servida a comida de Oxum, foi uma das manifestações religiosas mais lindas que já vi. Gerações reunidas no candomblé a dançar para os antepassados.
Não posso deixar de citar a estadia no albergue Pedra da Sereia, entre o Rio Vermelho e Ondina. Foi lá que nós, pesquisadoras da PUC/SP, ficamos tanto pelo preço acessível quanto pela proximidade da Universidade Católica de Salvador, onde ocorreu o III Seminário Internacional de Políticas Sociais, onde apresentamos trabalhos sobre o sistema prisional feminino.

Esse texto começou a ser escrito na sala de embarque do aeroporto Deputado Luís Eduardo Magalhães, mas foi logo interrompido por uma certa gritaria da qual eu desconhecia o motivo. Passavam pessoas com camisas de time de futebol de um lado para o outro e eu, nada conhecedora dessa habilidade brasileira, me perguntava o que aquele povo todo fazia por lá.

“Bahia, minha porra!!!”, exclamava um senhor sentado ao meu lado. Os meninos que o acompanhavam respondiam da mesma forma. Embarcariam no mesmo vôo que eu (para S. Paulo) para assistir ao jogo Bahia X Bragantino, no Morumbi.

“O Bahia não é um time, é uma religião. A torcida, em São Paulo, vai lotar o Morumbi”, disse a animada engenheira Soraya, com bandeira do time amarrada nas costas. E quem era eu para desacreditar nesse amor?

Foi assim que voltei, tristonha de certa forma, mas com a alegria dos torcedores tricolores, de um dos Estado com o qual tanto me identifico, que mal sabiam que o resultado seria 2x0 pro time paulista.

*Inicialmente escrito em Salvador, esse texto foi finalizado dias depois em São Paulo.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Quando o instinto reaparece



A evolução humana - que caminha a passos lentos - deixou em mim rastros primitivos, tais como a manifestação da raiva.

Como uma leoa que vê a cria ameaçada, rugi e avancei numa cidadã - se é que tal sujeita merece este adjetivo - que, enquanto dava ré em velocidade imprópria na contramão de um shopping, quase atropelou a mim e ao meu filho.

Não fosse a minha rápida corrida e um forte puxão na criança, talvez não estivesse aqui a contar a história.

Depois de me safar do carro, corri, enfurecida, para a janela do veículo, querendo ver a insana e dizer-lhes aqueles palavrões que enchem a boca e dão gosto de falar pra quem os merece. Isso, só os pobres mortais como eu conhecem. Desculpem-me os mais "evoluídos", contidos ou que costumam engolir populações de sapos, anos após anos, sem necessitar de manifestações como essa.

Falar??? Não, gritei mesmo. Berrei. Era o meu instinto mais animal que se manifestava, a aflição de ter a integridade física do meu filho violada e, mais, a possibilidade de não tê-lo mais comigo. Era uma animal com medo da morte da cria e, portanto, em defesa da sua vida - ao ataque.

Ataquei e me debati para alcançar o inimigo até a turma do "deixa disso" entrar em ação. A vontade era arrancar a mulher - que não se desculpou pelo incidente e ainda prosseguiu com provocações e xingamentos - de dentro do carro pela janela.

Um pedido de desculpas certamente me desarmaria, colocaria-me a exercitar o perdão e pronto, resolvido. Mas não. A dona continuou, ameaçou me atropelar. Indignei-me e extravasei na agressividade.

Num corpo dolorido - de estresse e de tanto ser segurada -, a certeza de que, ainda em evolução, sou uma fêmea arisca em defesa da vida e da preservação dos filhos.